domingo, 6 de setembro de 2009

Lula pede que G20 seja utilizado para "regular" sistema financeiro

da France Presse, em Paris

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu neste domingo, em uma entrevista concedida ao canal francês TV5 e à Rádio França Internacional, que o sistema financeiro internacional seja "regulado e reformado".

"É preciso regular o sistema financeiro mundial, não pode servir para gerar créditos mais importantes do que o patrimônio", disse Lula na entrevista, exigindo que o G20 seja utilizado "para tomar as decisões que os presidentes não tomaram até agora".

"A crise econômica mostrou que o Estado tem que voltar a ter um papel importante, não esse Estado que administra tudo, e sim um que vigia o sistema financeiro como vigia o mundo do trabalho", ressaltou.

Lula criticou o funcionamento do setor financeiro, ressaltando que não podia continuar "concentrando bilhões de dólares e de euros no mundo sem criar um só emprego". "O sistema financeiro deve existir para estimular o sistema produtivo, e não para viver da especulação sem fabricar um só sapato", afirmou.

"Temos que aproveitar a crise para mudar a lógica da economia mundial", disse, exigindo que se fosse ainda mais longe quando foi consultado sobre a eficácia das medidas tomadas até agora para paliar a crise econômica mundial, antes da cúpula do G20 do final de setembro, que será realizada na cidade norte-americana de Pittsburgh.

Lula acrescentou que é necessário uma "democratização do Fundo Monetário Internacional", e que o Banco Mundial "tenha novamente dinheiro para emprestar aos países pobres e controlar a utilização dos recursos do sistema financeiro para que não se repita a história dos ´subprimes' (empréstimos de risco)".

"Não se pode ter dois sistemas financeiros, um legal, dos que pagam seus impostos, e outro ilegal, onde os ladrões do mundo inteiro depositam seu dinheiro", disse o presidente, considerando que os paraísos fiscais são um tema muito delicado porque, quando se fala deles, "se fala das Ilhas Caimã, e também de Suíça e Uruguai".

É "um problema político sério a ser resolvido", disse.

Lula defendeu também que o G20 se transforme em um "foro de referência" para que as "principais 20 economias do mundo possam decidir a respeito de certas coisas" e classificou o G8 como um "clube de amigos", que já não tem razão alguma de ser.

"O G8 não tem mais razão alguma de ser. Discutir sobre a economia do mundo sem levar em conta China, Brasil, Índia, México e África do Sul, é pensar que o mundo de hoje é o mesmo dos anos 50", disse Lula.

"É um clube de amigos que se reúnem há 35 anos", acrescentou, destacando que atualmente é impossível tomar uma decisão "sem levar em conta os BRIC", grupo composto pelas principais potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China).

"É preciso, democraticamente, ser justo e dar um espaço para que os países possam falar", afirmou, considerando que no G20 isso deve ser possível.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

G8 se reúne em meio a 'crise de identidade'

Os líderes dos países do G8, o grupo dos sete países mais industrializados do mundo mais a Rússia, se reúnem a partir desta quarta-feira em Áquila, na Itália, para seu encontro anual de cúpula em meio a uma crise de identidades e questionamentos sobre sua relevância para tratar dos grandes temas internacionais.

No último ano, com a crise econômica mundial que vem afetando de maneira mais intensa os países desenvolvidos, o G8 (que reúne Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) perdeu espaço para o G20, grupo que tem a participação das 20 maiores economias e inclui diversos países em desenvolvimento.

Para muitos, o G8 vem perdendo relevância porque, hoje, não seria mais possível discutir grandes temas como a economia mundial, a questão do aquecimento global, o combate à pobreza ou o comércio internacional, sem a participação dos grandes países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul.

Esse grupo de cinco países emergentes, conhecido como G5, já vem participando como convidado das reuniões de cúpula anuais do G8 desde 2005, mas fica à parte da maior parte das discussões. A cada ano, aumenta a pressão para que eles sejam incluídos de vez no grupo e ganhem voz nas discussões.

Nos últimos dias, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou diversas vezes que continuará participando como convidado das reuniões do G8, mas que considera o G20 um fórum mais adequado para as discussões dos grandes temas mundiais.

"G8 morreu" Há duas semanas, o chanceler Celso Amorim havia afirmado que "o G8 morreu" e que nenhuma discussão internacional importante poderá acontecer sem que se leve em conta a posição dos países em desenvolvimento.

Os questionamentos sobre a relevância do G8 tem partido até mesmo de dentro do grupo.

"Os problemas que estamos enfrentando não podem mais ser resolvidos pelos países industrializados sozinhos", afirmou na semana passada a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel.

No último fim de semana, a ministra da Economia da França, Christine Lagarde, afirmou que "o G8 precisa necessariamente ser modificado e ampliado para se adaptar à nova realidade" e que o G20 se tornou uma instituição mais relevante.

A Itália, anfitriã da cúpula deste ano, concorda em parte com a avaliação. Neste ano, pela primeira vez, os países do G5 se sentarão à mesa com os líderes do G8 em dois dos três dias da cúpula.

Nos encontros anteriores, a participação dos países emergentes ficava restrita ao último dia, quando muitas das discussões importantes já haviam ocorrido e depois de muitas das resoluções do grupo já terem sido aprovadas e divulgadas.

Grupo seleto Em entrevista por e-mail à BBC Brasil, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, disse que "a Itália está trabalhando intensamente para dar substância à ideia de uma nova arquitetura para a governança internacional que leve em consideração as mudanças ocorridas no cenário global e sobretudo ao novo papel representado pelas economias emergentes".

Frattini afirmou, porém, que o formato das discussões internacionais deve ser determinado pelas questões em discussão e que, por isso, "ainda não há um consenso sobre o formato futuro e a composição de um G8 reformado".

Segundo ele, o G8 "mantém sua relevância como um fórum que compartilha valores comuns e uma visão comum para enfrentar as ameaças do século 21" e que "apesar de um formato maior e mais representativo refletir a nova dinâmica de poder e os desafios de um mundo transnacional, ainda há um papel para um grupo menor de países com posições comuns".

"O maior risco dos fóruns ampliados [como o G20] está na falta de uma possibilidade real de diálogo, por causa da combinação de um grande número de países representados, o curto tempo normalmente disponível para os encontros e a considerável diversidade de posições que normalmente aparecem quando questões sensíveis são debatidas, impedindo na prática que decisões concretas sejam tomadas".

Além do argumento de que a manutenção de um grupo pequeno de países é necessária para facilitar o diálogo e a obtenção de consensos, alguns analistas ainda veem a própria essência do G8 como entrave à inclusão do G5 no grupo.

Segundo John Kirton, professor da Universidade de Toronto e diretor do grupo acadêmico de pesquisas G8 Research Group, a principal missão do G8, desde sua fundação, é "a defesa da democracia", o que significaria um empecilho à entrada da China no grupo.

"Alguns membros do G5, como a Índia ou o Brasil, podem até já estar prontos para se juntarem ao G8, mas enquanto essa entrada estiver ligada à entrada da China, isso não ocorrerá", disse ele.

Kirton observa que o G5 "não existe como entidade própria", só como uma parte do G8.

Segundo ele, a importância dos países emergentes já foi levada em consideração pelo G8, primeiro com os convites para que os líderes do G5 participassem de suas cúpulas, a partir de 2005, e com o aumento dessa participação neste ano.

"O G8 está vivo e vai muito bem", afirma Kirton.